7 dias no Chipre para observar de perto os efeitos das alterações climáticas

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7 dias no Chipre para observar de perto os efeitos das alterações climáticas

De 9 a 16 de julho, 13 estudantes do ensino secundário com idades compreendidas entre os 15-19 anos participaram no Campo de Verão do projeto Climate Of Change, no Chipre.

Após a final do Torneio do Debates Pan-Europeu, em novembro de 2021, em Bruxelas, os melhores estudantes a debater qualificaram-se para as finais do debate em Bruxelas, tendo os vencedores sido selecionados como participantes nesta atividade.

O Campo de Verão, organizado pela UNRF, teve lugar na parte noroeste da ilha do Chipre. O foco das atividades foram os diferentes aspetos das alterações climáticas que afetam a ilha – incêndios, os impactos das alterações costeiras, o impacto em lagos e rios, e na biodiversidade.

As manhãs foram reservadas para palestras e workshops de especialistas, apresentando temas teóricos e, à tarde, para visitas de campo para experienciar os problemas ambientais – por exemplo, incêndios ou recuperação florestal após 10-20-30 anos após um incêndio, as pressões sobre o ecossistema costeiro e marinho e os problemas causados pela interferência humana.

Empenhados na luta contra as alterações climáticas, os dois dos 13 jovens eram portugueses e puderam reforçar o seu conhecimento e partilhar experiências e práticas de ativismo para um mundo mais justo, digno e sustentável. Entrevistámos os embaixadores portugueses: a Beatriz Santos (BS), 18 anos e o Tiago Fortes (TF), 15 anos.

 

Como é que as alterações climáticas afetam a tua vida? / te afetam?

BS: O que mais afeta a zona onde eu vivo são as oscilações extremas de temperatura/estações pouco definidas e a falta de chuva. Cada vez vejo mais rios a secarem ou a tornarem-se sazonais e terem água por períodos de tempo mais curtos. Isto também afeta a agricultura (que é o sustento de muita gente na minha aldeia), pois há cada vez menos água e o solo está a ficar mais seco e mais propício a receber espécies invasoras.

TF: As alterações climáticas, embora ainda não estejam muito presentes em Portugal, já se sentem, especialmente no verão quando as temperaturas ficam mais altas do que o suposto. Ocorrem mais incêndios do que as florestas são capazes de renovar, o que destrói o nosso belo país.

 

Se pensares na interligação entre justiça social e justiça ambiental, o que é que é que tem vem logo à cabeça?

BS: Para mim estes dois tipos de justiças estão ligados um ao outro, sendo o primeiro dependente do segundo, apesar de muita gente e mesmo os Governos não se aperceberem, as alterações climáticas afetam toda a população, mas a população das classes sociais mais baixas tem menos poder económico para minimizar estes problemas, tais como as temperaturas extremas, que, o seu efeito pode ser diminuído com o devido isolamento das habitações, mas que muita gente não tem acesso.

TF: O que me vem logo à cabeça quando penso nesta interligação é o facto de as organizações internacionais (ONU, UE…) ainda não serem tão assertivas sobre esta ligação. Veja-se, por exemplo, a invisibilidade que é dada ao tema dos refugiados climáticos, uma realidade para a qual não existe legislação …

 

Falemos da tua viagem ao Chipre…

Destaca um dos aspetos mais positivos desta experiência?

BS: Foi conhecer as realidades dos outros países europeus e ver que os problemas climáticos apesar de distintos são algo que todos os países têm em comum. Outro aspeto positivo também foi o de haver bastantes jovens e organizações espalhadas pela Europa que procuram, não só ter mais conhecimentos sobre este assunto, mas também espalhar informação e agir corretamente.

TF: A viagem foi absolutamente incrível. Foi uma experiência inovadora, que mudou a minha forma de pensar e de como vejo o mundo. Conheci pessoas incríveis e novos lugares que nunca vou esquecer. Adorei!

 

E negativos?

BS: Apesar de, para mim, o conhecimento ser um dos bens mais valiosos que podemos ter, saber todos os efeitos negativos, muitos deles já irreversíveis que as alterações estão a provocar ao redor do mundo fez-me perder um pouco da esperança que tinha para um futuro mais verde. Estes problemas já estarem tão presentes no nosso dia a dia e mesmo assim, os políticos e as grandes empresas não estarem a agir como deveriam faz-me pensar que a solução para isto passa mais pela adaptação do que pela reversão.

FT: A alimentação ética e justa continua a ser um desafio com grande impacto no tema das alterações climáticas. Por exemplo, a nível pessoal, as nossas refeições no summer camp, apesar de ter referido aos organizadores que não comia produtos com óleo de palma era raro encontrar um que nos oferecessem que não tivesse este ingrediente.

 

O que mais te chamou a atenção sobre o tema nos locais que visitaste?

BS: Num dos dias da viagem aprendemos sobre como as alterações climáticas e os incêndios florestais afetam as florestas e pinhais do Chipre e este foi o dia que mais me marcou. Onde eu vivo existem muitos quilómetros de floresta queimada, mas, só quando regressei a Portugal depois desta viagem é que consegui olhar para essas florestas destruídas como uma consequência das alterações climáticas e do aumento das temperaturas. Os incêndios florestais infelizmente também são cada vez mais um problema que afeta Portugal e, apesar de serem tratados com abordagens diferentes nos diferentes países, fiquei com mais conhecimentos sobre o tema e também ganhar curiosidade para pesquisar ainda mais sobre isto e pensar em ações que poderiam melhorar algo.

 

Identifica algo que sintas que vá mudar em ti, no teu comportamento após esta experiência?

BS: Após esta experiência vou ser mais pró-ativa na comunidade onde vivo em relação a este tema, não só a manter-me informada, mas também a espalhar informação e a envolver-me mais em projetos deste tipo pois, depois desta viagem sinto que consigo ser mais útil para a sociedade e também que cresci enquanto pessoa por ter aprendido diversas coisas com os outros participantes deste projeto.

TF: Podermos ver e sentir os efeitos das alterações climáticas ao vivo foi um ponto bastante positivo, uma vez que estamos habituados a falar delas, mas como conceito e quando temos a experiência e a oportunidade de as sentir, temos uma nova perspetiva e conseguimos analisá-las de uma maneira completamente diferente.

Achei interessante o modo de como, o ecossistema trabalha a seguir a um incêndio, de modo a conseguir voltar à vida que existia lá originalmente.

 

Sentes que estamos empenhados/as como comunidade global em dar uma resposta à emergência climática?

BS: Não, apesar de cada vez mais se ouvir falar sobre ação climática e sustentabilidade a maioria das ações são individuais e, apesar de ser importante principalmente espalhar informações e criar uma consciência coletiva, na minha opinião quem precisa de mudar são as grandes empresas. Por um lado, penso que estamos cada vez mais a ser ouvidos enquanto consumidores e as empresas estão se a tornar mais sustentáveis devido a essa mesma pressão dos clientes. Por outro lado, algo que impede esta evolução é o consumismo e os interesses económicos, duas realidades que também estão muito presentes na nossa sociedade e que são difíceis de contrariar.

TF: Após esta viagem sinto-me mais proativo e com mais vontade e dedicação para poder fazer algo que possa realmente ajudar a salvar o planeta e a nós.

Apesar de ainda haver greenwashing por parte de empresas e afins, acredito que nos estamos a perceber da emergência e que nos estamos a tornar mais verdes. Ainda que faltem muitos passos para que consigamos estar completamente focados na emergência climática, estamos a caminhar para um futuro mais sustentável.

 

Consideras que a nível político estamos a fazer tudo o que é possível para responder a este desafio?

BS: Não. Em Portugal, os partidos que realmente se preocupam com os problemas climáticos pelos quais estamos a passar são pequenos e não são levados a sério e os partidos políticos que têm realmente impacto no país, não têm a justiça climática na sua lista de prioridades.

TF: Sem dúvidas que a nível político não se está a fazer tudo o possível para combater a crise. Apesar de tudo, o crescimento económico continua acima da crise climática. Daí não haver políticas suficientes.

 

Qual o melhor e o pior cenário que projetas para 2030?

BS: O melhor cenário que eu projeto para 2030 é termos chegado a um ponto em que a consciência coletiva é, de facto, suficiente para fazer pressão sobre as grandes potências para pararem de ignorar os problemas climáticos e agirem de modo que isto seja uma luta sem fronteiras, em que estamos todos juntos pela mesma causa.

Por outro lado, o pior cenário é o de todas as iniciativas, seja por parte de individuais ou de empresas que vemos e estão a começar a ter impacto, não sejam suficientes para impedir que os efeitos das alterações climáticas se agravem. Se isto acontecer irá certamente existir um número de refugiados e migrantes climáticos crescente que junto com outros fatores irá piorar consideravelmente o conforto e o bem-estar de toda a população mundial, em que até os mais ricos e privilegiados irão sentir estes efeitos na pele. Quando isto acontecer será uma situação mesmo irreversível.

TF: Acredito que em 2030 possamos estar num futuro mais limpo e verde ainda que não atinjamos a neutralidade carbónica, algo que acho absolutamente improvável. Mas acredito que por essa altura estaremos a dar o nosso melhor para a atingir. No pior dos casos, estaremos ainda estagnados e a procrastinar a dizer que se fará e que se fará, mas nunca nada é feito. Estaremos a adiar a neutralidade carbónica de 2050 para 2060 e nunca se fará nada.

 

Uma dica, um incentivo, um pensamento para todas as pessoas que ainda acham que a luta contra as alterações climáticas só começa amanhã?

BS: Pesquisarem e manterem-se informados sobre onde as alterações climáticas já são presentes onde cada um vive porque sozinho ninguém consegue mudar o mundo, mas é através da iniciativa de alguém que se consegue atingir grandes objetivos e, a luta não pode apenas começar amanhã quando este problema já se está a tornar uma realidade tão grave e tão pouco recente.

TF: Para todos os que ainda pensam que as alterações climáticas são uma batalha do amanhã, só quero dizer que neste momento já é uma crise. Há dezenas de anos que sabemos da existência destas e há dezenas de anos que dizemos que nos vamos tornar mais verdes, mas nunca nada acontece. Se o ser humano não tivesse entranhado no seu ADN a procrastinação e tivéssemos agido no momento, não estaríamos neste momento com tantos incêndios e cheias. Por isso é que eu digo para agirmos já. Ainda temos oportunidade, por isso não adiemos mais.

Juntos conseguiremos!

 

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