Um alerta para a (in)justiça social e climática

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Um alerta para a (in)justiça social e climática

O IMVF, no âmbito da campanha pan-europeia #ClimateofChange, dinamizou o Webinar “(In)justiça Social e Climática”, que decorreu no dia 8 de julho, em formato online, através da plataforma Zoom e em direto do Facebook do IMVF, com o apoio da Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa (ESCS-IPL).

Para saber mais sobre os impactos sociais e ambientais das alterações climáticas e a interligação da justiça climática e da justiça social no combate às alterações climáticas convidámos a Carolina Salgueiro Pereira, da Women in Global Health, o Diogo Silva, do Climáximo, e o Pedro Cruz, do projeto People and Planet: a Common Destiny, para, num debate moderado pela Sandra Miranda da ESCS-IPL, partilharem com os participantes as suas reflexões e experiências na promoção de um mundo mais justo, inclusivo e sustentável.

 

 

Qual é a análise que fazes do caminho que tem sido traçado na luta contra as alterações climáticas e qual consideras ser o maior desafio a que temos de dar resposta na atualidade?

 

Diogo Silva | Climáximo

 

Reconhecendo que existem diversos desafios, igualmente importantes e complexos, e aos quais é necessário dar resposta na luta contra as alterações climáticas, o orador partilha connosco um caminho de prioridades:

  • 1.º à Reconhecer que o problema existe

Enquanto ativista pela justiça climática, Diogo afirma que um dos maiores entraves na luta contra as alterações climáticas é conseguir que as pessoas entendam o problema da crise climática, da justiça climática e da justiça social, como um problema sistémico que precisa de soluções sistémicas. Neste sentido, o orador alerta que esta é uma das maiores mudanças sociais que tem de acontecer para encararmos o problema.

  • 2.º à Entender as causas e a origem do problema

O orador atenta para a discrepância entre aquilo que as pessoas acham que são as causas do problema e o que realmente são as causas do problema. Existe a ideia de que é um problema individual e como tal a solução também tem de ser individual. Temos menos de 10 anos para reduzir 50% das emissões globais, o que representa ¾ das emissões em Portugal. A urgência e a gravidade do problema é tal que apenas as mudanças individuais não vão ser suficientes.

“Não podemos mudar o clima sem mudar os sistemas. Com a política atual, com o mesmo tipo de pensamento que nos trouxe ao problema, não vamos sair dele. No tempo que temos, essa mudança tem de acontecer.”

Diogo Silva (Climáximo)

Articulando as alterações climáticas com a justiça social, que radiografia tira do caminho que foi feito e quais são os principais desafios? O que falta acautelar na promoção da justiça social?

 

Carolina Pereira | Women in Global Health

 

Reconhecendo também que a situação é complexa e que ao nível da justiça social existem variados desafios aos quais é necessário dar resposta, a oradora ressalva 2 focos:

  • 1.º à Mobilização das pessoas para uma ação coletiva

Segundo a autora é essencial perceber o que significa a justiça social para as pessoas que não têm poder de decisão e que são as mais afetadas pelas alterações climáticas e pela crise climática, tendo em conta as diferentes vulnerabilidades dessas pessoas. A transição climática causa receio nas pessoas que já se encontram em situações frágeis, é necessário ter isso em conta e precaver propostas de solução.

“É difícil mobilizar as pessoas de forma coletiva sem que estas percebam primeiro para onde estão a ir. As necessidades e o tempo que temos ultrapassam as mudanças individuais, precisamos de agir coletivamente.”

Carolina Pereira (Women in Global Health)

Neste sentido, a oradora acautela que é preciso uma boa comunicação dessas propostas de solução, trabalhar as propostas de solução é fundamental para passar uma mensagem clara e simples.

  • 2.º à Acelerar a transição climática através da regulamentação, aplicação de leis, taxas e penalizações

A oradora reforça que são precisas leis que tenham em conta as diferenças sociais e o historial dos países. São precisas taxas e penalizações para forçar as organizações a realizar a transição climática.

 

 

Qual o papel dos ODS nesta transição? São uma proposta assertiva e efetiva para fazer frente a estes desafios? Consegue dar-nos alguns exemplos práticos?

 

Pedro Cruz | People&Planet

 

O orador começa por salientar que a Agenda 2030 e os ODS têm um grande potencial para serem um enquadramento estratégico que permita resolver alguns dos problemas que enfrentamos de forma integrada.

Refere ainda, que um dos principais desafios que temos é olhar para os problemas climáticos, económicos e sociais como estando interligados e, neste aspeto, a Agenda 2030 veio trazer uma abordagem integrada que, se for bem aproveitada, pode efetivamente ajudar a que esta interligação seja feita de forma efetiva. Permitindo que quando estivermos a pensar nas consequências das alterações climáticas percebamos as implicações sociais e as possíveis soluções no que toca à justiça social.

Pedro reforça que é importante envolver as pessoas nas soluções. Houve uma grande consulta na construção dos ODS para que estes refletissem as reivindicações e as expectativas das populações. Portanto, a quase 6 anos após a construção da agenda 2030, com 17 ODS transversais que permitem abarcar todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, se não utilizarmos a Agenda 2030 como um instrumento para a construção daqueles que serão os planos de recuperação económica, social e climática para o futuro, vamos perder, mais uma vez, uma grande oportunidade.

“O combate às alterações climáticas é como um puzzle, em que as peças são todas iguais. Se um país com maior poder económico conseguir seguir o processo e encaixar a sua peça, mas outro país não conseguir seguir o processo e não encaixar a sua peça, o puzzle não fica completo e as consequências disso vão ser sentidas por todos os países.”

Pedro Cruz (People&Planet)

Acham que na sociedade, no cidadão comum, existe iliteracia climática? Como é que podemos ativar/reforçar a cidadania em torno destes temas?

 

Diogo Silva | Climáximo

 

O orador alerta que, enquanto sociedade, precisamos de uma maior noção de qual é o problema, a sua origem, que soluções existem, e até dos termos que utilizamos. A maior parte das vezes fala-se sobre ação climática e não justiça climática, no entanto a perspetiva da ação climática prende-se em reduzir emissões, olhar para o problema como puramente ambiental. Mas, se não encarrarmos o problema ao nível da justiça social, vamos continuar a assistir a encerramentos de minas a carvão por razões meramente económicas, durante os quais se despedem as pessoas que lá trabalham, sem avançar com alternativas ou soluções, sem considerar qualquer tipo de transição que seja justa para aquelas pessoas e as suas famílias.

Na opinião do orador a pergunta mais importante é: Quem tem mais responsabilidade pela literacia?

À qual responde, a responsabilidade está muito na comunicação social, ressalvando a importância de perceber as relações de poder dentro de uma redação e recorrendo a um exemplo prático de uma ação do Climáximo:

  • A Ação em chamas bloqueou a rotunda do aeroporto para lutar por menos aviões, mais ferrovia, uma transição justa. Quando esta ação aconteceu foram publicadas algumas notícias, no entanto a maior parte das notícias falavam sobre pessoas que tinham sido detidas, muito pouco sobre a razão pela qual as pessoas estavam ali.

O orador reforça que a cidadania tem de ser mais radical, com força para mudar aquilo que temos de mudar no tempo que temos.

“Não podemos estar à espera que outros façam aquilo que ainda não conseguimos fazer.”

Diogo Silva (Climáximo)

Segundo o orador, enquanto sociedade, temos de garantir que somos a pedra na engrenagem de um sistema que não está a dar resposta ao problema que enfrentamos, para podermos recriar outros sistemas que possam gerar outros resultados.

 

Carolina Pereira | Women in Global Health

 

Estando de acordo com o orador Diogo, Carolina esclarece que não são as pessoas que têm culpa de não perceberem a dimensão da crise climática, as pessoas não sabem porque a informação não chega a elas. Passámos de notícias sobre manifestações, em 2019, para notícias sobre ações de desobediência civil, em 2021, sem existir uma explicação da ligação entre estes acontecimentos, o que levou a esta evolução de acontecimentos.

A oradora salienta a importância de capacitar jornalistas, editores e redações a comunicar o movimento da crise climática e a desconstruir os problemas de forma simples e percetível, de continuar a trabalhar na literacia climática da população e, enquanto isso, de existirem movimentos como o Climáximo a escalar manifestações e outras chamadas de atenção. Infelizmente não podemos esperar que todos estejam literados e, entretanto, temos de tentar chamar à atenção para o problema da melhor forma.

 

Pedro Cruz | People&Planet

 

Concordando com as intervenções dos oradores anteriores, o orador refere que a questão da comunicação e da literacia é absolutamente essencial e é dos maiores desafios que enfrentamos, principalmente quem é hoje bombardeado com informação, nomeadamente os jovens, que têm de encontrar um sentido na informação, que muitas vezes é contraditória.

Neste sentido, esclarece que o projeto People&Planet trabalha junto dos governos locais e nacionais e que pretende contribuir para continuar a dar voz às preocupações dos jovens. A abordagem do projeto é dar espaço aos jovens para que façam ouvir as suas preocupações e perceber como é que as alterações climáticas os estão a afetar e o que acham que deve ser feito para resolver esses efeitos das alterações climáticas.

Ressalva ainda a importância de continuar a trabalhar com governos e reivindicar as grandes mudanças de leis, de procedimentos e de oportunidades de participação, para que o combate e a adaptação às alterações climáticas e a justiça social possam ser efetivas.

O orador termina reconhecendo que são necessárias ações de guerrilha que consigam ter visibilidade junto da comunicação social e que contribuam para diminuir a iliteracia climática, criando uma relação de complementaridade entre essas ações e o trabalho desenvolvido junto de governos e empresas.


 

Tendo em conta as intervenções dos oradores deste webinar é percetível que é necessário assegurar uma ação concertada entre os diversos atores do desenvolvimento. A título de exemplo, a recente Carta Aberta dirigida à Presidência Portuguesa da União Europeia (EU) assinada por 33 organizações da sociedade civil apresenta uma série de recomendações, através das quais se apela a uma maior coerência das políticas da UE face aos compromissos com a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, uma Lei do Clima compatível com a limitação do aquecimento global a 1.5ºC, e uma Estratégia de Adaptação às Alterações Climáticas que previna crises futuras.

Esta carta, bem como outras ações de advocacia, só terá verdadeiro impacto, quando todos/as estiverem mobilizados para a justiça social e climática. Precisamos de ação. Precisamos de ti. Utiliza as redes sociais para partilhar algumas das nossas recomendações na carta aberta. Escreve aos deputados e eurodeputados e pergunta o que tem sido feito para a promoção deste tema. Usa as redes sociais dos decisores políticos e faz estas questões também.

Sabe como podes fazer a diferença aqui.

 


 

Este webinar foi organizado no âmbito da campanha pan-europeia #ClimateOfChange, e promovida em Portugal pelo IMVF e cofinanciada pela União Europeia e pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., com o apoio do projeto People&Planet.

A gravação na integra do webinar está disponível aqui.

Fica a saber mais sobre a campanha #ClimateofChange aqui.

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