Leonor Medon, estudante de Sociologia da Universidade do Porto e uma das vencedoras do Torneio de Debates Pan-Europeu, em Bruxelas, sobre Alterações Climáticas, Migração, Juventude e Economia, participou numa visita de campo ao Quénia para observar e documentar a realidade do país. Um território que tem enfrentado nos últimos anos conflitos e deslocações forçadas devido à falta de água e à insegurança alimentar. O tour realizou-se de 5 a 13 de abril e foi promovido pelas organizações italianas WeWorld e Terra Madre, no âmbito da campanha #ClimateOfChange, com os jovens finalistas do Torneio de Debates Pan-Europeu e jovens ativistas.
Na primeira pessoa…
Eu sou a Leonor Medon, tenho 21 anos e sou natural da cidade do Porto. Encontro-me a frequentar o Mestrado em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Como é que as alterações climáticas afetam a tua vida?/ te afetam?
Nos dias de hoje, creio ser impossível não falar do impacto das alterações climáticas no nosso quotidiano. Naturalmente, estamos perante exemplo diretos ou indiretos, como a subida da temperatura, a seca extrema, até porque Portugal, pelas suas características geográficas, é dos países europeus mais vulneráveis às alterações climáticas. Apesar de, logicamente, existirem populações no mundo muitíssimo mais afetadas hoje do que nós, considero que todos temos a obrigação de encarar este problema como coletivo e que afeta a todos nós, tanto no presente como no futuro.
Se pensares na interligação entre justiça social e justiça ambiental, o que é que é que tem vem logo à cabeça?
De facto, não raras vezes verificamos que o debate sobre a justiça ambiental está afinado por supostas soluções, designadamente ao nível tecnológico, que, todavia, ignoram por completo a questão das desigualdades. Assim, considero imperativo que o desenvolvimento da sustentabilidade ambiental esteja acompanhado da justiça social. Até porque, quando pensamos nos impactos das alterações climáticas, temos de os estudar à luz das desigualdades. Tal é claro quando se pensa que as populações mais afetadas, a título de exemplo, das migrações climáticas, são também oriundas das regiões mais pobres… daí que uma coisa é indissociável da outra.
Falemos da tua viagem ao Quénia…
Já sabemos que as pessoas mais vulneráveis e que menos contribuem para a atual crise climática são as mais afetadas por esta realidade.
O que mais te chamou a atenção nas comunidades que visitaste?
Verifiquei justamente isso que destacava ainda agora no Quénia, onde foi muito claro a correspondência entre a desigualdade social e as alterações climáticas. Apesar disso, captou-me a relativa facilidade ou leveza com que encaram a situação de seca que vivem, através das diferentes estratégias que as populações encontram para procurar sobreviver à nova realidade, designadamente por via de novas formas de cultivo e agricultura. Em todo o caso, o impacto ambiental, por exemplo ao nível da seca, é notório.
Quais os principais desafios que essas comunidades enfrentam?
Diria que a seca emerge enquanto desafio central, uma vez que afeta as plantações, o gado e, por conseguinte, acaba por gerar conflitos entre populações. Também a escassez e fraca qualidade da água – e os seus impactos da alimentação e nutrição – faz com que apareçam outros problemas de saúde que assolam as populações, designadamente as mais jovens.
Alguma história que te tenha sensibilizado mais?
Talvez uma mensagem que recebi por parte de uma das mulheres que conhecemos nas visitas ao terreno, com quem ainda mantenho contacto, que me demonstrou a dificuldade que é ter acesso à saúde, sobretudo para a maternidade, dizendo-me que é sortuda porque ela e as irmãs foram ter os filhos ao hospital, mas as outras raparigas da sua aldeia, muitas vezes morrem, perdem os filhos ou ficam muito doentes porque não têm condições médicas de higiene e segurança para o acompanhamento da gravidez e para o parto.
Sentes que estamos empenhados/as em dar uma resposta à emergência climática?
Depende de quem é o “nós” da pergunta. Se por “empenhados”, pensarmos na política nacional e europeia, diria que existe consciência e a tentativa de traçar algum caminho, mas não consideraria que existe empenho sério ou pensamento global de combate a esta crise. Se por “empenhados”, pensamos em largos sectores da sociedade que vêm mobilizando e despertando consciências para esta causa, acredito que sim. Todavia, o caminho permanece longo.
Qual o melhor e o pior cenário que projetas para 2050?
Não me considero qualificada para traçar cenários ou fazer projeções sobre o futuro. Até porque não acredito que tenhamos todos de ser cientistas para participar nesta justa causa. Devemos, claro está, todos observar e tentar tanto quanto possível estar informado sobre as projeções e as análises que o conhecimento científico hoje nos oferece. Destaco a leitura dos relatórios do IPCC, o painel intergovernamental sobre as alterações climáticas das Nações Unidas, por ser muitas vezes um recurso de aprendizagem que procuro.
Qual foi o gatilho que te despertou para o ativismo?
Devo dizer que surgiu como uma postura natural, até porque sempre o fiz junto de colegas e amigos e nunca enquanto postura individual. A forma como fui vendo os outros a despertar para esta luta foi um gatilho imenso ao me fazer pensar que, se os meus amigos e colegas, bem como tantos outros da minha idade, estão envolvidos nesta luta, é porque deve ter interesse. Essa curiosidade levou-me à pesquisa, ao debate e à troca de ideias que culmina nas lutas que tantos jovens travam no nosso país e no mundo! Foi impressionante, no programa #ClimateofChange, ver que tantos jovens de outros países estão muito mobilizados para esta causa.
Uma dica, um incentivo, um pensamento para todas as pessoas que ainda estão no início da jornada?
Estando perante um problema extraordinariamente complexo, não existem respostas simples para a resolução destes problemas, designadamente quando desassociadas do contributo de entidades governamentais e estatais.
Nesse enquadramento, e em todo caso, a ação dos jovens surge como um motor para a promoção tanto dos problemas como das soluções e linhas orientadoras para uma transição ecológica e climática. A tecnologia emerge enquanto veículo para a aproximação de jovens de todo o mundo para o território, igualmente para a exposição e consciencialização dos problemas locais que, tendo manifestações no terreno, serão sempre desafios globais onde a ação e contributo de todos é fundamental.
Assim, julgo que para qualquer pessoa que queira envolver mais em torno destas temáticas o principal é investigar, procurar informação, ouvir, de forma a ter uma postura mais reflexiva e crítica perante o mundo que nos rodeia.
Entrevista da Leonor – Notícias Universidade do Porto:
Leonor Medon: uma embaixadora do clima na luta por um mundo melhor